quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Lições de uma montanha



A situação era peculiar: do lado de fora de um parque de diversões, eu olhava a montanha-russa: um carrinho estava subindo, lentamente. Ele fez a curva ao final da subida e, ainda bem lentamente, foi se movendo em direção à próxima curva. Ao fazer esta, o carrinho despencou, as pessoas gritaram e foi então que senti o maior frio na barriga. Estranhei, porque eu estava com os pés firmes no chão, como é que podia estar reagindo ao que estava acontecendo a 50 metros com outras pessoas? Investigando meus processos mentais e minha percepção, achei uma possibilidade de explicação para o fato, bolei uma solução, testei-a e na mesma hora passou o efeito. Essa solução, que testei em outras situações semelhantes, é o que descrevo aqui.
Fundamentos
Entender o que fiz requer saber duas coisas sobre o funcionamento da nossa inteligência: os modelos mentais e a dinãmica da atenção.
O primeiro fato é que não operamos diretamente no mundo, e sim a partir das percepções que temos do mundo e o que fazemos com essas percepções, que compõem os nossos modelos mentais. Sem modelos mentais não poderíamos fazer nada; tente por exemplo tomar uma decisão qualquer só com o que você percebe no presente. Mesmo se for saciar uma simples sede, você precisa ter um modelo mental da sua casa ou do ambiente em que está e das opções potáveis que existem. Quando não tem, sai procurando (talvez e somente se a sede for suficientemente intensa!). Se é uma decisão de maior impacto, como casar-se, você precisa ter um modelo mental atraente da futura vida, ou certamente não se casará, a menos que obrigado, seja por si mesmo ou por outras pessoas.
O outro aspecto da inteligência é a dinâmica da atenção e da percepção. Agora o foco de sua atenção está neste escrito, mais especificamente nesta palavra, agora nesta, agora nesta, e neste exato momento nesta... Ou seja, sua atenção segue um fluxo no tempo. Esse fluxo pode ser mais ou menos estruturado. Quando lê, por exemplo, sua atenção é conduzida pelo nosso padrão de escrever de cima para baixo e da esquerda para a direita e é estruturada. Quem está dirigindo um automóvel pode ter a atenção estruturada ou reativa. Se o motorista segue um padrão de olhar para a frente e de vez em quando olhar os retrovisores, seu fluxo de atenção é estruturado. Quando vê um pedestre em situação perigosa, a tendência é concentrar a atenção nele e esquecê-lo assim que não for mais importante, o que caracteriza direcionamento reativo da atenção. Dirigir é uma combinação de direcionamento estruturado e reativo, como você pode notar. Outra possibilidade para o direcionamento da atenção é a escolha pura e simples. Por exemplo, você pode prestar atenção em qualquer parte deste texto, a qualquer momento, nada lhe prende ou limita exceto sua decisão de fazê-lo ou não.
A realidade via de regra proporciona muitos estímulos visíveis, audíveis e sensíveis, alguns dos quais podemos ignorar e outros não. A percepção de um ser inteligente, portanto, deve se alternar um bocado no dia-a-dia. Se você ao ler isto ouvir um barulho, sua atenção naturalmente vai se desviar por um momento para interpretar o estímulo e avaliá-lo, porque pode ser uma explosão ou outra ameaça ou simplesmente por curiosidade. O processamento dos estímulos que nos chegam pode ser inconsciente, isto é, nossa mente pode filtrar os estímulos que chegam ao consciente, só deixando chegar a nós os importantes. Isso tem características de habilidade, é aprendida e amadurecida, podendo ser treinada intencionalmente.
A característica dinâmica da atenção tem várias implicações. Por exemplo, pessoas que reagem a qualquer estímulo em geral, sem filtros de importância treinados, podem ter dificuldades de concentração em ambientes ruidosos. Já fiz e já vi outras pessoas saírem do foco e não perceberem: você está falando com ela e de repente ela vê algo e faz um comentário estranho à conversa, como se nada mais estivesse acontecendo. O nosso próprio nome é um estímulo ao qual dificilmente deixamos de responder desviando a atenção; também já vi um educador usar o nome da pessoa com freqüência ao falar com ela, o que suponho que seja uma forma de prender a atenção da pessoa.
O fluxo de atenção por si também é muito, muito importante, porque há um bocado de coisas que acontecem no nível inconsciente, como por exemplo sentir os pés no chão e perceber tensões no corpo, entre outras. Para verificar isso, dê uma geral no seu corpo procurando por alguma parte tensa. Muitas pessoas não incluem, por exemplo, a testa no seu fluxo de atenção, e nem percebem que a franzem quando falam ou cantam. Esse fluxo da atenção é extremamente rápido, e às vezes só notamos quando ele não acontece, como quando estamos tão ligados em algo interessante que esquecemos todo o resto.
Ambos, modelos mentais e atenção são processos, e por isso não são ruins, bons nem algo entre esses extremos; são como ferramentas cuja utilidade depende da forma como são usadas. Os dois trabalham juntos para formar nossa percepção, como os pólos de um imâ, e isso tem várias utilidades. É por meio deles que conseguimos, por exemplo, nos colocar no lugar do outro e ver do ponto de vista dele, o que é chamado na PNL de posição perceptiva. Note a combinação desses dois recursos ao assistirmos um bom filme. “Entramos” no filme e passamos a viver dentro do modelo mental do filme. Para conseguirmos isso, temos que deixar de prestar atenção no nosso próprio corpo e no ambiente. Experimente assistir a um filme notando de vez em quando onde está. Acredito que foi por isso que um filme do Arnold Schwarzenegger fracassou, um que seu personagem saía de uma tela de cinema e ia para a “realidade”: os espectadores eram lembrados de que estavam em um cinema, “desligando” o modelo mental do filme.
O problema compreendido e solucionado
Foi com base nessas compreensões que eu pude entender como conseguia sentir frio na barriga apenas olhando a montanha-russa, e o sucesso da minha intervenção sustenta sua validade. Descrevendo passo a passo, eu percebi que tinha feito o seguinte:
- Olhei a montanha-russa, com foco no carrinho.
- Quando ele começou a descida, eu me coloquei na posição perceptiva de estar dentro do carrinho. Ao fazer isso, mesmo que por um segundo, o fluxo de minha atenção deixou de passar pelo meu corpo e qualquer outra coisa, e o modelo mental pareceu real naquele momento
- Reagi à "realidade" do meu cenário interno do momento com uma reação semelhante à que teria se estivesse realmente acontecendo.
Devo fazer isso muito bem, porque comecei a ver o que eu veria, ouvir o que ouviria e sentir o que eu realmente sentiria se estivesse lá, apenas com menor intensidade. Uma habilidade desenvolvida, creio eu, daquelas que não se sabe quando foi aprendida.
Pensei então: se enquanto eu olho o carrinho eu mantiver minha referência de realidade direcionando a atenção para o contato dos pés com o chão, o frio não vai acontecer. Fiz isso e foi um sucesso imediato, não tive mais qualquer sensação incômoda.
Posteriormente teste novamente essa estratégia em um lugar alto, com o mesmo bom resultados. Para mim foi muito útil: imagine o que senti, com essa habilidade antes inconsciente de entrar em uma posição perceptiva, ao assistir um documentário de meia hora sobre escaladores de prédios!
Caminhos
Caso você tenha medos e frios na barriga ou em outros lugares e quiser experimentar o que fiz, há pelo menos dois caminhos. Um é esperar acontecer e conscientemente direcionar a atenção de vez em quando para as sensações nos pés ou alguma outra do momento presente. Outra é praticar essa estratégia em um contexto de treinamento e transformá-la em habilidade ou até reflexo. Para isso basta você simular situações variadas. Como você viu, com a nossa capacidade de simular realidades alternativas, você pode fazer de conta que está no Everest e treinar lá – sem sair de casa.
Eu só não recomendo você transformar isso em reflexo condicionado, porque vai ter momentos em que você talvez queira ter a opção de poder entrar em uma realidade paralela, como ao assistir um filme ou ler um bom romance. Afinal, queremos não reduzir nossas possibilidades, e sim expandi-las.

SER ÁGUIA OU GALINHA - A ESCOLHA É SUA



A águia e a galinha é um dos livros mais interessantes que já li. Seu autor é o nosso grande mestre de filosofia, teologia, espiritualidade e ecologia, Leonardo Boff.
Nele o mestre faz uma metáfora da condição humana, buscando inspiração numa velha história vinda da África. Seu autor é James Aggrey, um educador e político de Gana, pequeno país da África Ocidental, situado no Golfo da Guiné, entre a Costa do Marfim e Togo.
Leonardo Boff inicia a história dizendo, com sua grande sabedoria, que a libertação começa na consciência, no resgate da dignidade e da auto-estima, se efetivando na prática histórica. Fala da consciência da ancestralidade e do orgulho que o povo ganense tem de sua história e da nobreza de suas tradições. Termina dizendo que toda a colonização - seja ela antiga, pela invasão de territórios, seja ela pela integração forçada no mercado mundial - significa sempre um ato de grandíssima violência. A imposição de uma nova cultura invasora que subjuga e destroi importantes culturas tradicionais, sua memória, suas tradições, seus valores, suas instituições e suas religiões.
A história que James Aggrey, político e educador, contou ao seu povo numa reunião de lideranças populares em 1925 é a seguinte:
"Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros.
Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista: - Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
-De fato - disse o camponês. É águia, mas eu criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extenção.
- Não - retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.
- Não, não - insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como uma águia.
Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse: - já que de fato você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra as suas asas e voe!
A águia pousou sobre o braço entendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá em baixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.
O camponês comentou: - Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!
- Não - tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.
No dia seguinte o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurou-lhe: Águia, já que você é uma águia, abra as suas asas e voe!
Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi junto delas.
O camponês sorriu e voltou à carga: - Eu lhe havia dito, ela virou galinha!
- Não - respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas.
O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe: Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.
Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico Kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E comessou a voar para o alto, voar cada vez mais alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento..."
E Aggrey terminou conclamando:
"- Irmãos e irmãs, meus compatriotas! Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E muitos de nós ainda acham que somos efetivamente galinhas. Mas nós somos águias. Por isso companheiros e companheiras, abramos as asas e voemos. Voemos como águias. Jamais nos contentaremos com os grãos que nos jogarem aos pés para ciscar."
Com esta história o grande mestre basileiro nos ensina também que a vida é feita de escolhas; que o interior de cada um de nós nunca muda; que sempre estaremos prontos para encontrar nossos verdadeiros ideais. Depende de nós.