Qual a relevância para uma epistemologia darwinista destas pesquisas sobre neurologia e cognição animal? Primeiro, ao examinar diferentes níveis de cognição e as suas interrelações com o meio ambiente, reforçamos a importância de encarar a cognição como um fenômeno adaptativo.
Um animal pode ter algumas capacidades "desnecessárias" (como capacidades sociais entre orangotangos), e pode lhe faltar alguma capacidade que seria útil (como a capacidade para reconhecer o engano no grito de alarme de um macaco vervet), mas em geral as formas de percepção, reação, e construção de imagens mentais têm um valor adaptativo. Também ao relatar as diferentes capacidades cognitivas de diversos animais, reforçamos a idéia de que a mente humana evoluiu de formas de cognição comuns em outros animais, e que não devemos esperar encontrar um grande "divisor de águas" ou "ponto crítico" entre o nosso pensamento e aquele de diferentes animais.
Podemos também observar o uso que diferentes animais fazem das suas capacidades cognitivas e talvez aproveitar isto para refletir sobre o uso que nós fazemos das nossas capacidades. Observamos animais com reflexos automáticos, mas também com capacidades para simular todo um processo de "tentativa e erro cognitivo" para escolher alternativas de ação.
Observamos animais aprendendo rotinas via observação ou ensino, mas também raciocinando via analogias. Observamos animais solucionando problemas tecnológicos, mas também manipulando os seus pares. Observamos diferentes metaníveis de "consciência". Em todas estas diferentes formas de cognição é possível ver também as limitações - os vieses e as incapacidades de abstração.
Estas limitações podem nos alertar para algumas de nossas limitações. Vimos que os animais aprendem algumas coisas com mais facilidade do que outras. Ao observar a reação de outros, macacos aprendem a ficar com medo de cobras, mas não aprendem a ficar com medo de flores. Ratos associam as formas dos alimentos com choques elétricos, mas não os cheiros. Abelhas aprendem o local das flores na saída, mas não na chegada. Ratos aprendem mais facilmente a associar eventos súbitos com outros eventos súbitos, e eventos prolongados a outros eventos prolongados.
Macacos aprendem a reagir com mais atenção a gritos de alarme feitos por adultos "confiantes" do que a gritos feitos por jovens ou adultos baixos na escala de dominância. O papel da seleção natural em facilitar ou não estas formas de aprendizagem é claro. Uma vez que compartilhamos todo um passado evolucionário com outros animais, seria muito arriscado imaginar que nós não possuímos vieses parecidos.
A nossa capacidade lingüística nos deu ferramentas novas. Talvez isto nos permita controlar alguns destes vieses. Mas devemos reconhecer que existem formas de raciocínio independentes da linguagem, e que o nosso cérebro trabalha também com imagens e conceitos não-lingüísticos. Se eliminamos o critério de uma linguagem simbólica, é até possível falar em "culturas" não-humanas no sentido de comportamentos e hábitos mentais aprendidos e compartilhados por um grupo, e transmitidos de uma geração para outra.
Quanto do nosso raciocínio e das nossas culturas baseia-se nestas formas de pensar não-lingüísticas? E até que ponto somos suscetíveis aos vieses de aprendizagem e raciocínio de outros animais?