terça-feira, 13 de outubro de 2009

Não discutir a relação pode ser melhor


Discutir a relação já é algo delicado e complexo. Ou melhor, discutir o relacionamento se torna complicado à medida que não falamos o que precisamos, na hora e lugar certos, para pessoa certa. Ao invés disso, vamos acumulando e acumulando uma série de sentimentos e ressentimentos.


E, de repente, estamos lá os dois com aquela cara de "pastel" e, do nada, qualquer gota d´água se transforma em uma hecatombe nuclear! Passamos então a discutir a relação - no pior momento. Com a pior expectativa, com a total falta de bom senso.


De fato, discutir a relação deveria ser algo prazeroso. Falar de futuro, projeções, alinhar expectativas. Contratar o que queremos e não queremos na relação. Falar de nós, dos nossos sonhos, do que gostamos e não gostamos. Do que imaginamos, de como desejamos viver a relação. É isso: discutir a relação poderia ser um passo para o sucesso do relacionamento. Mas, normalmente, vem tão carregado de "coisas mal resolvidas" ao longo do tempo que se torna uma bomba... E então, vem o pior: ninguém quer discutir a relação... ou seja, muitas das relações estão fadadas ao fracasso porque pura e simplesmente não conseguimos confrontar o que precisa ser confrontado na hora em que isso deve ser feito.


Bom, acredito ainda que pior que tudo isso junto - ou seja, a carga emocional que o discutir a relação nessa situação provoca, o despreparo, o fator surpresa para o outro (que, muitas vezes, não estava nem aí para o que estava acontecendo) - é experimentar fazer tudo isso por telefone! Por sms, skype! Por e-mail... Não dá certo! Sabemos qual será o resultado. Um gritando e chorando do lado de cá, o outro estupefato do lado de lá...


E se é dessa maneira, porque insistimos em tomar esse tipo de atitude? Por que não conseguimos resolver nossas questões na hora em que tudo acontece? Isso é realmente algo a investigar - e trabalhar o autoconhecimento pode ser o início


É sempre bom ressaltar que, se agirmos assim com relação à nossa relação amorosa, provavelmente, fazemos o mesmo com nossas relações familiares, profissionais e afetivas. Repetimos o mesmo comportamento, ou seja, somos aqueles do deixa pra lá... Aqueles mesmo que aprenderam a colocar panos quentes em tudo. A passar a mão na cabeça de todos... O único problema é que isso muitas vezes não é real. Afinal - somos todos humanos. E, engolir sapos, brejos inteiros, lagoas, tem um limite... Uns podem ser mais elásticos, outros menos. O fato é que um dia a casa cai


E então não há relação - ou discutir a relação - que agüente. Nesse todos agem da mesma forma... Isto é: colocamos tudo em um tamanho acima do normal - explodimos.


Colocamos para fora tudo de uma vez, tudo o que nos incomodou em anos, meses, semanas ou dias e, nesse caso, podemos ser mesmo cruéis ao lembrar coisas passadas que já não tem a menor importância e que fazem tudo ainda mais impossível.

DISCUTIR A RELAÇÃO


DISCUTIR A RELAÇÃO é um ato recente.

Antigamente, lá pelos anos 60, não se fazia isso.

Quando o namorado ou a namorada chegava para o outro e dizia: "Sabe, eu estive pensando...”

Pronto, o ouvinte já sabia que era o fim. Não havia mais o que discutir. Saía cada um para o seu lado dizendo que houve (que saudades) uma "incompatibilidade de gênios".


Isso resolvia tudo.


E os nossos pais jamais discutiram a relação. Nem mesmo a relação sexual. Dava-se uma porrada e não se falava mais naquilo.

as mulheres (infelizmente) sabiam do seu lugar ao lado do fogão, sem o fogo do amado.


Mas o mundo girou, a lusitana rodou, vieram os psicanalistas e as feministas. Sim, foram eles que instigaram as mulheres a DISCUTIR A RELAÇÃO.

Sim, são sempre as mulheres que começam (e acabam) as discussões e as relações.


Os terapeutas, porque colocam na cabeça da gente que devemos dizer tudo que pensamos da pessoa amada para ela e não para o melhor amigo.


E as feministas, bem, as feministas...Mas, antes de surgir a expressão DISCUTIR A RELAÇÃO, tivemos outros nomes para a mesma desgastante peleja. "Vamos dar um tempo' não durou muito. Depois surgiu "Nossa relação está desgastada". Por que não "gastada"?Hoje, modismo ou não, não há casal que não DISCUTA A RELAÇÃO, pelo menos uma vez por semana, igualando ao número de atividades sexuais.


DISCUTE-SE A RELAÇÃO nos mais variados lugares. Alguns sombrios, outros perigosos.O melhor lugar para se discutir a relação é na sala ou no Quarto. Está-se próximo do uísque, da televisão que pode ser ligada a qualquer momento e mesmo da porta, para uma saída furtiva e quase sempre covarde, ou pertinho do travesseiro... é só dormir!!! rsrsrs .


E é ótimo DISCUTIR A RELAÇÃO andando em círculos, com uma vassoura na mão, um ouvido na fera e um olho no gatinho. Sim, as mulheres adoram esta atividade aos domingos. Eu sou testemunha.


Conheço algumas pessoas que quando quer sair sozinho com os amigos, diz: "Vou até lá em casa e dou um jeito de DISCUTIR A RELAÇÃO com a patroa, ela fica irritada e eu tenho um motivo para voltar aqui para o bar'. DISCUTIR A RELAÇÃO no quarto só tem duas saídas. Tudo terminar numa belíssima e lacrimejante cena de amor (às vezes, até com umas mordidas carinhosas) ou a ida de um dos meliantes para a sala. No quarto, é impossível se tratar deste assunto impunemente. Principalmente se os dois atletas estiverem deitados. E nus.


E se houver alguma faca por perto.


É um perigo discutir a relação ao volante. Deveria haver multa para esses casais que colocam em risco não apenas a vida deles, como também dos transeuntes e demais carros.

DISCUTIR A RELAÇÃO dentro do carro sempre acaba em confusão maior. E quem está dirigindo leva sempre a pior.


Ou então propor um rodízio. Segunda, não discutem casais com final 1 e 2. Terça, 3 e 4. E assim por diante.


Agora, não há nada mais desagradável do que DISCUTIR A RELAÇÃO por telefone. É um horror. Geralmente é... Longo silêncio... "Você está me ouvindo? Você está aí?" A gente não vê os olhos da outra pessoa, o sarcástico sorrisinho, a pequena lágrima rolando. Sem falar na conta do telefone.


E no restaurante, vocês já repararam? Sempre tem alguns casais que chegam calados, comem calados e calados saem. Outros... que não citarei nomes, entram rindo, e saem bufando... (isso é o inimigo imperando)

Um não dirige a palavra para o outro.

Eles estão, em silêncio, DISCUTINDO A RELAÇÃO.

Acho uma covardia DISCUTIR A RELAÇÃO em silêncio. Eles não falam nada. Imundando o restaurante.


Já os mais modernos DISCUTEM A RELAÇÃO via Internet. Digita-se um disparate para ela na puta que o pariu, o texto vai para um satélite, dali vai para Columbus (Ohio, USA), volta ao satélite, baixa na central do Rio de Janeiro e, finalmente, entra no computador dela em no centro de São Paulo, a uns 500 metros de distância. Depois é a vez dela fazer o mesmo. Coitado do satélite que tem que decifrar aqueles palavrões todos. Em português, é claro!


Mas o pior não é DISCUTIR A RELAÇÃO. O pior é pagar fortunas a um profissional, sentar-se numa poltrona ou divã e ficar ali, durante 50 minutos, por intermináveis semanas, meses a fio, anos seguidos, repetindo tintim por tintim como foi a nossa última conversa com o ser amado, fazendo um esforço danado para lembrar fala por fala, todos os diálogos.


E o terapeuta lá, com aquele olho de peixe morto, caído, quase bocejando, ouvindo, pela oitava vez, naquela mesma tarde, a mesma nauseante história de amor.


Sim, porque com ele a gente não DISCUTE A RELAÇÃO. Discutimos, no máximo, o preço. Da nossa dor.



Texto extraído do livro “100 crônicas de Mário Prata”, Cartaz Editorial – São Paulo, 1997, pág. 163. e adaptado por mim!!!