DISCUTIR A RELAÇÃO é um ato recente.
Antigamente, lá pelos anos 60, não se fazia isso.
Quando o namorado ou a namorada chegava para o outro e dizia: "Sabe, eu estive pensando...”
Pronto, o ouvinte já sabia que era o fim. Não havia mais o que discutir. Saía cada um para o seu lado dizendo que houve (que saudades) uma "incompatibilidade de gênios".
Isso resolvia tudo.
E os nossos pais jamais discutiram a relação. Nem mesmo a relação sexual. Dava-se uma porrada e não se falava mais naquilo.
as mulheres (infelizmente) sabiam do seu lugar ao lado do fogão, sem o fogo do amado.
Mas o mundo girou, a lusitana rodou, vieram os psicanalistas e as feministas. Sim, foram eles que instigaram as mulheres a DISCUTIR A RELAÇÃO.
Sim, são sempre as mulheres que começam (e acabam) as discussões e as relações.
Os terapeutas, porque colocam na cabeça da gente que devemos dizer tudo que pensamos da pessoa amada para ela e não para o melhor amigo.
E as feministas, bem, as feministas...Mas, antes de surgir a expressão DISCUTIR A RELAÇÃO, tivemos outros nomes para a mesma desgastante peleja. "Vamos dar um tempo' não durou muito. Depois surgiu "Nossa relação está desgastada". Por que não "gastada"?Hoje, modismo ou não, não há casal que não DISCUTA A RELAÇÃO, pelo menos uma vez por semana, igualando ao número de atividades sexuais.
DISCUTE-SE A RELAÇÃO nos mais variados lugares. Alguns sombrios, outros perigosos.O melhor lugar para se discutir a relação é na sala ou no Quarto. Está-se próximo do uísque, da televisão que pode ser ligada a qualquer momento e mesmo da porta, para uma saída furtiva e quase sempre covarde, ou pertinho do travesseiro... é só dormir!!! rsrsrs .
E é ótimo DISCUTIR A RELAÇÃO andando em círculos, com uma vassoura na mão, um ouvido na fera e um olho no gatinho. Sim, as mulheres adoram esta atividade aos domingos. Eu sou testemunha.
Conheço algumas pessoas que quando quer sair sozinho com os amigos, diz: "Vou até lá em casa e dou um jeito de DISCUTIR A RELAÇÃO com a patroa, ela fica irritada e eu tenho um motivo para voltar aqui para o bar'. DISCUTIR A RELAÇÃO no quarto só tem duas saídas. Tudo terminar numa belíssima e lacrimejante cena de amor (às vezes, até com umas mordidas carinhosas) ou a ida de um dos meliantes para a sala. No quarto, é impossível se tratar deste assunto impunemente. Principalmente se os dois atletas estiverem deitados. E nus.
E se houver alguma faca por perto.
É um perigo discutir a relação ao volante. Deveria haver multa para esses casais que colocam em risco não apenas a vida deles, como também dos transeuntes e demais carros.
DISCUTIR A RELAÇÃO dentro do carro sempre acaba em confusão maior. E quem está dirigindo leva sempre a pior.
Ou então propor um rodízio. Segunda, não discutem casais com final 1 e 2. Terça, 3 e 4. E assim por diante.
Agora, não há nada mais desagradável do que DISCUTIR A RELAÇÃO por telefone. É um horror. Geralmente é... Longo silêncio... "Você está me ouvindo? Você está aí?" A gente não vê os olhos da outra pessoa, o sarcástico sorrisinho, a pequena lágrima rolando. Sem falar na conta do telefone.
E no restaurante, vocês já repararam? Sempre tem alguns casais que chegam calados, comem calados e calados saem. Outros... que não citarei nomes, entram rindo, e saem bufando... (isso é o inimigo imperando)
Um não dirige a palavra para o outro.
Eles estão, em silêncio, DISCUTINDO A RELAÇÃO.
Acho uma covardia DISCUTIR A RELAÇÃO em silêncio. Eles não falam nada. Imundando o restaurante.
Já os mais modernos DISCUTEM A RELAÇÃO via Internet. Digita-se um disparate para ela na puta que o pariu, o texto vai para um satélite, dali vai para Columbus (Ohio, USA), volta ao satélite, baixa na central do Rio de Janeiro e, finalmente, entra no computador dela em no centro de São Paulo, a uns 500 metros de distância. Depois é a vez dela fazer o mesmo. Coitado do satélite que tem que decifrar aqueles palavrões todos. Em português, é claro!
Mas o pior não é DISCUTIR A RELAÇÃO. O pior é pagar fortunas a um profissional, sentar-se numa poltrona ou divã e ficar ali, durante 50 minutos, por intermináveis semanas, meses a fio, anos seguidos, repetindo tintim por tintim como foi a nossa última conversa com o ser amado, fazendo um esforço danado para lembrar fala por fala, todos os diálogos.
E o terapeuta lá, com aquele olho de peixe morto, caído, quase bocejando, ouvindo, pela oitava vez, naquela mesma tarde, a mesma nauseante história de amor.
Sim, porque com ele a gente não DISCUTE A RELAÇÃO. Discutimos, no máximo, o preço. Da nossa dor.
Texto extraído do livro “100 crônicas de Mário Prata”, Cartaz Editorial – São Paulo, 1997, pág. 163. e adaptado por mim!!!
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